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Rotas do Vento

Marrocos: Caravana de Camelos no Saara – Miguel B

1. Um resumo fotográfico de um passeio pelo Sahara TEM que começar nas dunas. Ao contrário do que eu pensava, a maior parte do tempo não estivemos a caminhar sobre a areia, mas sim sobre um deserto de pedra e cascalho.
Apenas no fim do segundo dia de caminhada é que chegámos ao que eu considero ser o ponto alto do passeio: depois dos normais 20 e tal Kms diários de caminhada subimos à duna mais alta da “vizinhança” para ver o espetáculo – e se valeu a pena! A vista é absolutamente espetacular – um oceano de areia que se espraia a perder de vista.
A areia é muito fina o que faz com que seja MUITO agradável e cansativo caminhar sobre ela. Por outro lado, parece ter o tamanho certo para estragar – fina o suficiente para entrar em TODO o lado e grossa o suficiente para dar cabo de roscas, motores – basicamente tudo o que tenha superfícies de contacto deslizantes.

2. Devido à ausência de luz artificial, o nascer do sol é particularmente bonito de ser visto no deserto.
Sem grandes montanhas a taparem o horizonte, é bastante fácil trepar a uma duna ou monte e captar tudo sem qualquer barreira. A ausência de presença humana a estas horas (é impressionante a quantidade de gente que por vezes se encontra no deserto nas “horas de ponta”!) faz com que se possa ter uma tremenda sensação de descanso e solidão.
A presença de nuvens e poeira taparam por vezes o nascer do sol, mas por outro lado forneceram-lhe características sempre diferentes – desde os tons azuis simples do céu claro, passando pelos avermelhados e laranjas das nuvens e acabando no amarelo da poeira levantada pelo vento. Por outro lado os montes e a areia ganhavam um brilho dourado fascinante nestas alturas.
A “eclipse.jpg” foi tirada no dia seguinte a uma tempestade de areia (ainda esteve um pouco de vento no dia da foto). O céu ainda estava carregado de pó e areia o que dava ao céu a cor que se vê na foto.

3. Ao contrário do que muita gente pensa (incluindo eu antes de ir), o deserto não é só areia. Antes de chegar à areia existe um grande espaço constituído por rocha e cascalho. Esta zona pode ser relativamente verdejante em zonas atravessadas por rios.
No entanto, mesmo junto da água nunca se chega a abandonar a sensação de desolação e ausência de condições confortáveis para uma permanência prolongada. Mesmo nos oásis basta estender o olhar para lá das árvores para nos lembrarmos que estamos numa pequena ilha de água e verdura num mar de areia, cascalho e rocha.

4. A areia consegue aparecer com uma infinidade de tons diferentes e deslumbrantes. Dependendo da hora do dia, posição do sol, nebulosidade e luminosidade a mesma areia conseguia ser cinzenta, amarela, castanha, vermelha ou a minha preferida (adorei esta definição): caramelo.
Os desenhos traçados pelo vento, a projecção das sombras, a simples quantidade de areia a estender-se até perder de vista ultrapassaram tudo o que eu estava à espera… É daquelas coisas que é preciso estar lá para perceber…

5. Os dromedários eram as estrelas da festa. Carregavam com tudo o que nós tinhamos e andavam com uma passada confortável sem se queixarem muito.
Em geral eram obedientes, mas por vezes mostravam-se maldispostos e nem sempre obedeciam à primeira. Não gostavam lá muito de contacto (festas) e ficavam particularmente irritados (compreensivelmente) quando lhes punham os sacos às costas. Mas regra geral esperavam pacientemente pelas ordens dos condutores.
Sempre que eram desamarrados uns dos outros e libertos da carga, as patas da frente eram atadas (dá para ver no “lunch break”) para que eles não abusassem da liberdade concedida – sabem como são os camelos: dá-se-lhes um casco e eles querem logo uma pata inteira!

6. As noites são bastante frias (embora não tanto como eu estivesse à espera). Quando o céu não estava nublado dava para ver uma quantidade impressionante de estrelas (é a fotografia que eu tenho mais pena de não poder tirar). A escuridão era impenetrável – posso dizer-vos que as dunas são bastante assutadoras quando não se consegue distinguir o horizonte de qualquer monte de areia – e quem não levasse uma lanterna arriscava-se a não encontrar a tenda que estava a 5 metros.
Sempre que o tempo permitiu (e quando havia madeira) juntámo-nos à fogueira onde os berberes nos “presenteavam” com músicas tocadas ao som de jerricans de água vazios. O chá BEM quente era imprescindível nestas noites frias (mesmo para aqueles de nós que NÃO gostam de chá…). A noite acabava em geral connosco a cantar em árabe (????) – são as vantagens de não se ter vizinhos!

7. Todos os dias eram dias de desmontar o acampamento de manhã e montar à noite. Tudo o que usávamos ia connosco e tinha que ser montado ao fim do dia (que em geral tinha à volta de 25Km’s). Em geral demorávamos entre 1h30m e 2 horas desde o acordar até o começar a andar.
Montar o acampamento parecia demorar menos tempo, mas em geral estávamos cansados e nunca consegui perceber muito bem quanto tempo é que levava ao certo.
O tempo de sol que sobrava ao fim do dia era usado para nos deitarmos a admirar a paisagem enquanto comíamos biscoitos com chá, ou para pequenas caminhadas para conhecer as redondezas.
8. Um dos momentos “altos” (pelo menos para alguns de nós – nomeadamente EU) foi quando no 4º dia o vento começou a soprar. A princípio não parecia nada de especial, mas no espaço que demorou a comer o almoço já parecia que a tenda ia voar. O horizonte tornou-se amarelo e a areia voava por todo o lado. Ao contrário dos filmes, tanto os animais como os guias estavam na maior das calmas (embora visivelmente contrariados).
O pior de uma tempestade de areia é o facto de a areia entrar no nariz, boca, ouvidos e SOBRETUDO nos olhos. Não vale a pena ter uns óculos com proteção lateral e um turbante a tapar a cara toda – qualquer buraquito na “armadura” vai encher-nos de areia até ao próximo banho. É impressionante a quantidade de areia que vi nos olhos das pessoas que iam comigo…
Caminhámos debaixo do vento durante umas duas horas – mesmo assim, sem praticamente ver o sol, com uma visibilidade MUITO limitada e sem usar qualquer instrumento de orientação os guias conseguiram manter-nos no caminho certo pelo meio das dunas (pelo menos ACHO que era o caminho certo)…

9. Os poços de água parecem ser locais de encontro de pessoas pertencentes a uma comunidade que se encontra muito dispersa – um pouco como a missa ao domingo.
Junto aos poços era frequente encontrar-se mais grupos de viajantes como nós ou habitantes locais – estes encontros eram MUITO raros fora dos poços.
A água ainda se encontrava relativamente fundo e fiquei a pensar como é que teria sido descoberta…
Era barrenta e nunca a usámos para beber – apenas para cozinhar e lavar a louça, no entanto os berberes pareciam beber aquela água sem qualquer problema.
O clima em volta do poço é festivo e descontraído – cada um espera pacientemente a sua vez no meio de amena cavaqueira e nem sequer o típico burro a puxar a típica carroça com o típico bidon parece ter pressa de se ir embora.
Num sítio onde a água é um bem raro, ela é retirada da terra de uma forma perfeitamente ordeira e comunal.

P.S – A princípio fez-me um bocado de confusão ver a forma como a água escorria para a areia durante o enchimento dos jerricans sem que ninguém se preocupasse, mas depois percebi que o poço tinha à volta furos de recaptação da água entornada (para o caso de alguém ter ficado com a mesma dúvida).

9. E para acabar, o inevitável pôr do sol. O pôr do sol atribui “aquela” cor às dunas. É o prenúncio das estrelas e bastante antes de desaparecer já se pode ver vénus a brilhar no céu. Ao fim da tarde o céu costumava estar menos nebulado, o que fornecia imagens ainda mais marcantes do que o nascer do sol, frequentemente obscurecido pelas nuvens. Por fim, o cansaço sem sono do fim do dia era mais propício para a contemplação do que a SONEIRA das 6h30m da manhã…
Há quem não goste do deserto – mas para quem gosta, a imagem do sol a enviar o último brilho por cima das dunas é inesquecível.

Aproveitei aqui para responder aqueles de vocês que me fizeram perguntas sobre as casas de banho. As instalações não eram muito modernas, mas existiam em número virtualmente ilimitado e estavam extremamente bem integradas no ambiente circundante.

Quem quiser ver mais fotos, ver os originais (com mais definição) ou ouvir mais histórias só tem que me oferecer um lauto e suculento repasto!

Miguel B, Fev-Mar 2004
Alhandra