Peru: De Macchu Pichu ao Lago Titicaca – Gonçalo Velez
Cusco foi a antiga capital inca cujo império se estendia, no séc XV, do Equador ao Chile. A cidade é muito atraente com os seus imponentes monumentos da época colonial. Mas interessava-me sobretudo conhecer os vestígios incas, e apreciar a sua notável arquitetura.
Fui sempre surpreendido pela meticulosidade desta singular arte de cantaria. As paredes dos edifícios nobres e das fortalezas são compostas de pedras, muitas pesando toneladas, que foram meticulosamente talhadas para assentarem ao milímetro sobre as demais. As fortalezas de Sacsayhuaman e de Pisac são disso exemplos notáveis.
Mas ainda o que achei mais inédito, é a transformação de rochedos maciços em peças de arte religiosa.
Os pedreiros incas abriam galerias, talhavam escadarias, nichos e altares, e esculpiam inúmeras formas com as mais diversas funções.
O exemplo mais conhecido é o Intihuatana, o mostrador solar, que era o objeto central de todos os complexos religiosos incas.
Qenco, perto de Cuzco, é um bom exemplo deste tipo de trabalho realizado numa vasta massa rochosa. Além das galerias mortuárias apresenta curiosas esculturas em forma de condor, lama, puma e, o mais conhecido, o zig zag que serviria para escoar chicha (cerveja inca) ou o sangue dos sacrifícios.
Todos os atos e acontecimentos do seu quotidiano gravitavam em redor da religião. Os astros eram adorados, sobretudo o sol e a lua, e a eles eram dedicados templos. Os templos do sol ocupam sempre um lugar preponderante e as suas paredes têm uma forma elipsoidal.
Achei também interessante a existência de recintos para banhos rituais em todos os locais com importância religiosa. Os incas demonstram bons conhecimentos de hidráulica e reparei em alguns aquedutos que conduziriam a água para esses banhos. Ainda hoje muitos deles são mantidos a correr.
Encontrei múltiplos exemplos destes nas ruínas a norte de Cuzco bem como no Vale Sagrado, ao longo do rio Urubamba.
O expoente máximo desta viagem é sem dúvida o caminho inca para Macchu Pichu.
É neste percurso que vamos encontrando aldeamentos, postos de controlo, observatórios astronómicos e centros religiosos muito bem preservados no tempo. Não só por que o único acesso é pedestre, mas também por que uma boa porção deste caminho esteve submerso na floresta até há pouco tempo.
A última calçada desta via foi descoberta há oito anos !
A paisagem é curiosa. Caminhamos entre os 3000m e os 4000m e a vegetação é tropical. As vertentes abruptas das montanhas estão envolvidas de denso arvoredo do qual pendem lianas, e o musgo cobre os rochedos.
À medida que avançamos apercebemo-nos de que os monumentos assumem cada vez maior importância. O número de recintos de banhos litúrgicos aumenta, bem como a qualidade da arquitetura. Pressente-se que aproximamos um importante centro religioso.
Chegamos finalmente a Intipunku, o Portão do Sol, e veremos abaixo de nós a célebre cidade perdida de Macchu Pichu.
A sua enorme importância deve-se ao facto de ela ter sido abandonada e esquecida pelos nativos antes da chegada dos espanhóis. Por isso, temos hoje o privilégio de visitar uma cidade inca praticamente intacta.
Calculo que muitas ruínas ainda faltam descobrir pois a floresta tem oferecido, ano após ano, novas ruínas e calçadas. Reparei, por exemplo, em Sayacmarca numa escadaria que está barrada pela vegetação. E o templo da Lua, em Macchu Pichu, foi descoberto muito recentemente.
A viagem de comboio para o lago Titicaca revelou-se muito interessante. De início atravessam-se as montanhas nevadas ao longo de vales cavados. Mais à frente a paisagem altera-se e torna-se cada vez mais ampla. Entramos no altiplano andino. Vamos passando aldeias com pequenas quintas, porcos à solta e rebanhos de lamas e de alpacas a pastar.
Embarquei em Puno com destino à ilha de Taquile. O lago é imenso e muito tranquilo.
Passamos por alguns pescadores de Uros nas suas canoas de juncos e fazemos escala numa das ilhas flutuantes. O solo é esponjoso pois as várias camadas de totora (juncos) assentam em baixios. As suas cabanas também são construídas deste material.
Taquile é uma ilha inteiramente agrícola com cerca de 7 km de comprimento. As suas vertentes estão cobertas de socalcos do tempo dos incas cultivados de milho, cevada e vinha. Devido ao relevo não é possível utilizar veículos, nem mesmo bicicletas.
É por isso interessante percorrer a pé os carreiros que ligam os povoados e descobrir algumas ruínas incas no cimo das colinas. De caminho observam-se os aldeãos a trabalhar nos campos, lavrando com arados de madeira puxados por bois e transportando a produção para as suas quintas.
Se você participar nesta viagem, não pode perder o sublime pôr do sol sobre o lago e sobre a Cordilheira Real boliviana.
Também lhe recomendo vivamente que, antes de partir, procure ler um pouco sobre a cultura inca por que irá ter uma experiência de viagem muitíssimo mais rica.
Neste âmbito, quando estiver em Lima, você deve forçosamente visitar o Museu Nacional de Arqueologia e Antropologia e o Museu do Ouro.
Gonçalo Velez
PS: Realizei esta viagem em Novembro 96 a fim de reconhecer o itinerário que os grupos das Rotas do Vento fariam a partir de 97.