Marrocos: Caravana de Camelos, Marrocos – Alexandra Henriques
14 – Maio – 2005 : Et l’aventure commence!
Com algumas expectativas lá começara a viagem por terras africanas. Viajámos para CASABLANCA numa avioneta pequeníssima mas numa curta 1h30 surgiu-nos África do lado esquerdo, amarela, castanha e pouco montanhosa.
Sobrevoámos “Casa” e a sua medina o que nos permitiu apreciar do céu todo o esplendor da mesquita à beira mar, branca pontuada de azul e verde, magnífica, o que me deixou logo de sorriso rasgado pois secretamente esperava conseguir vê-la.
O aeroporto de Casablanca tornou-se o nosso primeiro contacto com Marrocos e as suas gentes… e via-se de tudo, desde muçulmanos de barbas compridas trajados a rigor nas suas djellabas e babouchas, europeus como nós nos seus “looks aventura” prontos para mais uma viagem ou outros já mais “corrompidos” pelo espírito de Marrocos, de regresso a casa, bronzeados, com pulseiras, túnicas ou exuberantes tatuagens de henna a esvanecer-se.
O voo para MARRAKECH foi curto… Tivemos que passar pelo controle de passaportes, a formalidade necessária mas enfadonha! Fica-se sempre com a sensação de que não são suficientemente rápidos a conferir tudo. No avião comparámos os carimbos dos passaportes, e imaginámos como seria o carimbo marroquino… mas na verdade nem olhei para ele pois quando cheguei ao tapete das bagagens não encontrei a minha mochila!! Quis reclamar a bagagem extraviada mas não queriam aceitar! Perguntaram se eu tinha a certeza… disseram para verificar melhor… depois começaram a dizer que era normal, preencheram-se os papéis e garantiram-me que ia ser recuperada “Inch Allah!”, “Se Deus quiser!”… “Mas que raio de maneira de se começar uma viagem”… pensei, mas depois… que se lixe… Toca a improvisar!
Assentes os arraiais no hotel lá rumámos à medina. Atravessámos a muralha da cidade transpondo uma das muitas portas BAB NKOB e percorremos uma das suas principais avenidas, Bv Mohamed V. Logo se avistou obrigatoriamente o ex-libris da cidade a rasgar o horizonte: a KOUTOUBIA, o minarete que terá inspirado a Giralda de Sevilha. No caminho para o centro passam por nós dezenas de caleches puxadas por cavalinhos magros e altos.
Chegadas à Praça JEMMA EL FNA compreendemos que tínhamos entrado noutra dimensão, noutra escala… é tudo enorme, é tudo longe. Entrámos na praça e só depois de quase termos sido atropeladas nos apercebemos que continuávamos no meio da estrada e de que não estávamos em zona pedonal….
Motas, motoretas, burros, bicicletas, caleches, homens empurrando toscos carrinhos de mão atravessam a praça indiscriminadamente e só nos apercebemos deles quando já estão mesmo em cima de nós. Para além disso somos interpelados por uma pessoa diferente a cada segundo em que desviamos o olhar para qualquer outro local…. São os aguadeiros, senhores vestidos de vermelho e chapéu folclórico que perguntam se queremos água entregue em tijelinhas de latão, são meninas que querem à força fazer-nos tatuagens de henna de várias cores, são os vendedores de sumo de laranja nas suas bancas, são miúdos que se aproximam com cobras articuladas de madeira… são os piropos… “ah, les belles gazelles!” Nós entreolhamo-nos” GAZELAS” E tudo isto é acompanhado pelo som de batucadas, tambores e pela música distante e hipnotizante dos pífaros… são os encantadores de serpentes. É uma praça enorme e inóspita sob o calor que faz. O que se passa nela é que é verdadeiramente interessante, não a sua beleza em si.
Entrámos nos SOUKS. O objectivo era ambientarmo-nos e vermos possíveis itens a serem adquiridos noutro dia… Falhámos! Que ingénuas… Num abrir e fechar de olhos já estamos sentadas a beber um chá de hortelã a celebrar o desconto feito especialmente para raparigas portuguesas. Fervilham as cores das tintas, o cheiro das especiarias e do incenso. Apregoam-se artefactos milagrosos… os rapazes aproximam-se com os seus produtos… as suas atitudes balançam entre um tentar não nos assustar jocoso “Isto não é uma bomba…” e o tentar vender “Vês como cheira bem…É bom para isto… é bom para aquilo…” Uma paródia!
Falidas mas felizes, abandonamos o labirinto para nos depararmos com o arraial que é montado todas as noites na praça. Um caos organizado e numerado (!) de mesas e bancas a servir as melhores iguarias e pitéus marroquinos. Uma mistura de fumos e luzes e gente a convidar-nos para o banquete…
Tudo o que tínhamos lido sobre este local é verdade.
15 – Maio – 2005: Com a ajuda preciosa e incansável de todo o pessoal que nos acolheu…. no espaço de uma hora passámos da esplanada do hotel, sem saber nada de nada da mochila perdida nesses aeroportos, para dentro de um 4×4 a caminho do SUL… com a mochila no porta bagagens!
Tratámos de esclarecer , sempre em francês – a história das “gazelles!” com o Mohamed (o nosso fantástico condutor) e a dos banhos nos riachos de água límpida que segundo o nosso guia, Abdel, só existem nos desertos do Ali Babá…
Depois de uma viagem longa e atribulada mas muito divertida, chegámos ao local do nosso acampamento… montámos as tendas e adormecemos estafadíssimas a olhar para um firmamento extraordinariamente estrelado. A aquecer a nossa memória estava a imagem do céu vermelho da viagem pelas montanhas…. acordámos 1h depois com barulhos estranhos… passadas largas… balidos desconcertantes… chegavam os camelos.
16 – Mai – 2005:
Acordámos de manhã bem cedo ao som da chaleira e do despertador… quando saímos da tenda encontrámos a mesa posta num tapete no chão, com pão, doce, manteiga, queijo, café e o chá fumegante. Conhecemos então um novo Mohamed ” o berbere sorridente ” condutor/tratador/encontrador de camelos.
Em pouco tempo tínhamos o acampamento levantado e iniciávamos a nossa caminhada. Andámos e andámos… debaixo de um sol escaldante…
No caminho passámos por um rebanho de cabras apascentadas por uma menina… Almoçámos num oásis – seco – e quando lá chegámos já o Mohamed tinha preparado para nós uma sombra onde descansámos o corpo…..
O ALMOÇO era uma salada enorme e incrivelmente fresca com massa, tomate, pepino, cebola, atum, sardinha, queijo… e depois melão, adorámos. A menina pastora juntou-se a nós, ofereceu-nos a sua companhia e nós oferecemos-lhe o almoço. Depois de descansarmos mais um pouco partimos novamente, com o Mohamed a cantar para nós e para os camelos, descendo o rio seco que passava no oásis. Bem fácil ter miragens da água a correr…
Estamos numa zona de montanha, pedregosa, por vezes encontram-se rebanhos de cabras e construções circulares de pedra aparelhada que indicam a presença de nómadas. Passámos por uma família que nos acenou ao longe. De lá saiu um miúdo pequeno a correr de pés descalços e sujos nos pedregulhos… primeiro pensámos que vinha pedir esmola… mas o Abdel traduziu “Ele está a convidar-vos para beber chá com a família”… …. .. Estamos bem longe daquilo que conhecemos… somos constantemente “humilhados” pela simpatia e vontade de acolher desta gente inexplicável.
Montámos acampamento num vale e rodeados de planaltos descansámos, contemplámos, rimos, conversámos, escrevemos, bebemos o chá. Falámos sobre a vida dos nómadas que é tão agreste e difícil. Sem residência fixa, vivem em tendas rodeadas por pedras, cuidam das suas cabras que são o seu sustento. Existem. Abdel falou-nos sobre a sua religião e a concepção de paraíso/inferno dos muçulmanos. De como têm 2 anjos sobre os seus ombros que vão anotando as boas e más acções a serem pesadas numa balança no dia do juízo final. Explicou que o cumprimento “Salamalekoum”, “Que a paz esteja convosco” está no plural porque para além da pessoa também se cumprimentam os anjos.
Falámos dos vários dialectos berberes que se falam em Marrocos e da relação entre homem e as suas (possíveis) 4 mulheres. Aqui entrámos num intransigente desacordo…. ehehe.
Mohamed, o guia de camelos, é uma pessoa muito interessante, simpatizámos logo com ele apesar de termos trocado apenas algumas palavras soltas em francês. É um antigo pastor de camelos, sempre de sorriso rasgado quer no sol abrasador, quer na tempestade de areia, quer à hora do jantar.
Está sempre a cantar, responde a tudo com um “merci madame”, faz questão de soltar os camelos sempre que fazemos uma paragem mais prolongada para andarem à vontade e procurarem alimento. Depois tem que ir à procura deles para os trazer de volta. Dorme na rua com os camelos em vez de se abrigar dentro da tenda grande, coabita com todos os bichinhos e baratinhas do deserto não faz como os restantes que as afastamos assim que chegam a 10 cm. Quando jantamos é incrível a maneira como se dobra todo sobre si próprio ocupando menos espaço que nós, os mais pequenos que ele. “Tix! Tix!?” “Mange bien, Marche bien!” Insiste ele, para comermos mais, mesmo depois de termos repetido 2 vezes!
Agora aqui um parêntesis para sublinhar a derrota estrondosa daquele que era o nosso maior receio ao iniciar esta viagem. Sermos 2 mulheres sozinhas no deserto. Isso não seria nunca um motivo de desistência mas foi-o de alguma apreensão. TRETAS.
O pessoal que nos acompanhou foi sempre 5 estrelas e a sua preocupação era no sentido de nos sentirmos bem e principalmente tivéssemos umas boas férias. Não sei o que tinha na cabeça.
Para o JANTAR cozinha-se Cous-cous ou Tajine com legumes. Entramos todos para a tenda grande e sentamo-nos à volta das velas no tapete, descalços. As mulheres têm que servir os homens, tradição. Há sempre a Harira, a sopa espessa marroquina de sabor muito apurado e super deliciosa… repetimos sempre 2 ou 3x por gulodice…
17 – Maio – 2005: Hoje andámos imenso… imenso… num calor imenso em cima de um planalto interminável e pedregulhoso. Tivemos outro encontro com uma família de nómadas. Uma menina de 12-13 anos veio acolher-nos com os seus irmãos mais novos. Vendiam artesanato. Ela, morena, lindíssima, vestia roupas coloridas sobrepostas, tinha as unhas pintadas com henna. Havia uma senhora com um olhar muito sorridente que tratava dos tecidos.
Foi o dia da chegada às DUNAS… e é muito difícil andar sobre areia!
As minhas botas que são fantásticas quando se anda em solo firme pois parece que andam sozinhas… transformaram-se em autênticos trambolhos de chumbo a pesar toneladas assim que entrámos na areia. O pé enterra-se, não conseguimos andar tão rápido como queremos… foi árduo!
Mas eventualmente chegámos… fabuloso! Depois de 2 dias a andar no deserto, este grupo de 4 pessoas e 3 camelos chegou às dunas e pareceu estranho ver outras pessoas, jipes e motas, os trilhos no chão, o barulho dos motores… Acampámos mesmo no meio das dunas de CHEGAGA e adorámos, tirar as botas e descê-las a correr, enterrar a perna na areia até ao joelho. À noite, a luz da lua crescente iluminava a areia, ouviam-se cantares ao longe acompanhados pelo som de tambores… eram os nossos vizinhos… Eles também nos deviam ouvir a nós.
18 – Maio – 2005: A etapa de ontem na areia foi bastante dura… então o Mohamed decidiu aparelhar os 3 camelos de modo que pudéssemos montar um deles se necessário! Que sorte!
Tomámos o belo do petit déjeuner nas dunas, colocámos o turbante AZUL BERBERE pois estava um ventinho e -“yalá yalá?”, “Vamos!”
O vento de frente começou a ser mais forte e as rajadas cada vez mais incomodativas… em pouco tempo estávamos no meio de uma TEMPESTADE…. areia por todo o lado… areia nos olhos……… o problema são os olhos pois precisamos de abri-los para ver o caminho!!…. uma irritação colossal… um desespero… …. mas, tivemos sorte…. conseguíamos ver-nos uns aos outros!
O deserto é feroz e implacável quando está vento…
Foi necessário montar a tenda para cozinhar e almoçar… mas mesmo naquela confusão de areia eles não se atrapalharam nada…. entretanto o vento amainou e pudemos vir para fora depois do almoço enquanto o Mohamed foi procurar os camelos…… procurou… procurou… e nunca mais voltou! O estranho é que nós víamos os camelos ao longe… deitadinhos…”Será miragem?” o Abdel já estava preocupado pois assim não chegaríamos a tempo à próxima paragem, então foi procurá-lo…. e encontrou-o a cochilar ao lado dos camelos… bem que mereciam!
Partimos então para a etapa curta em direcção às dunas de BOUGARN.As novas dunas, douradas, quase vieram ao nosso encontro… ao contrário de Chegaga, estávamos sozinhos… o silêncio era absoluto… mas nós parecíamos tolinhos a cantar e a dançar…
19 – Maio – 2005:
Amanhecemos com apostas: o que é que nos reservaria o deserto neste dia? Depois do sol e do vento, faltava a chuva (!!) e de um céu baixo e carregado começou mesmo a pingar! Mas nada de especial, se bem que algumas de nós já ressacavam por uma banhoca! Então vinda do céu! Divina seria!
Andámos de camelo durante algum tempo… e aquele “embalamento” dá imenso sono!… Parámos num poço onde estava um grande número de camelos com as suas crias. Ao almoço convidámos a juntar-se a nós, Abdoulah, um pastor de camelos, amigo de Mohamed… vestia de preto da cabeça aos pés, tinha um ar imponente e altivo… TUAREGUE. Sentou-se ao meu lado na tenda para almoçarmos após o qual eu adormeci cansada… acordei com ele a bisbilhotar no meu caderninho de notas… entreguei-o para ele ver mas rapidamente perdeu o interesse…
Na a etapa da tarde fomos novamente convidadas pelo Mohamed a montar um dos camelos… mas também éramos convidadas a desmontar quando o trilho se tornava mais difícil para os animais. Sempre atento, preferia andar mais se isso se traduzisse em menor dificuldade para os camelos.
20 – Maio – 2005:
Depois de um percurso curto a pé, chegámos a MHAMID e despedimo-nos do humilde Mohamed que se afastou sempre sorridente e festivo. Nós, calados, iniciámos a nossa viagem de regresso… e voltámos à confusão… tentar regatear parecia uma declaração de guerra… a música soava a algazarra endiabrada e desconexa. Na viagem de volta a Marrakech atravessámos o VALE DO DRAA… lindíssimo… viam-se mulheres de véus cor de rosa a trabalhar nos campos verdes, autênticos quadros vivos. Passámos por aldeias com as suas casas feitas de terra. Se chover as construções degradam-se e muitas parecem castelos de areia já lavados pelas ondas… No entanto, as torres das mesquitas destacam-se ao longe por estarem todas bem conservadas e pintadas.
De volta ao hotel… GUESS WHAT?!… Não nos apetecia tomar banho? pensámos que nos iríamos esgadanhar pela posse da banheira mas não… ficámos sentadas na cama “Vai tu”… “Não, vai tu”… Como se o banho fosse remover do nosso corpo a memória deste passado recente, encantado e arrebatador.
De repente, o cabelo enriçado, a roupa suja, a areia dentro dos bolsos, dentro dos sacos, colada ao corpo, a tudo… parecia-nos bem.
Alexandra Henriques
Maio 2005