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Rotas do Vento

Vietname: Da Baía Halong ao Rio do Perfume – Gonçalo Velez

O Rio do Perfume situa-se no centro do País e atravessa Hué, a última cidade imperial do Vietnam. O seu nome deve-se provavelmente ao aroma das resinas e das ramagens de pinheiros e de coníferas que seria arrastado pela brisa ao longo do vale.

Na margem norte, a cidadela estende-se por trezentos hectares onde se contavam mais de duzentos edifícios entre palácios, templos, pavilhões de lazer e de cultura e edifícios administrativos e militares.
No centro deste recinto situavam-se os domínios privados do imperador: a Cidade Proibida Púrpura. O significado dos nomes das suas edificações são muito atraentes e cito alguns: o Palácio da Suprema Harmonia, o Terraço das Cinco Fénix, o Portão do Meio Dia, a Esplanada dos Rasgados Cumprimentos, o Pavilhão da Eterna Claridade, etc. Os dragões, os leões e as fénix abundam nos elementos decorativos.
Infelizmente, muito foi destruído pelas guerras e pela negligência do regime comunista durante esta metade do séc XX mas, após a sua classificação como Património Mundial pela Unesco em 1993, os trabalhos de reconstrução e de restauro parecem-me realizar-se com empenho e competência.
A cidade, muito encantadora, é atravessada por vários canais e braços de rio. O movimento de embarcações de transporte e de pesca é considerável. Muitas famílias ainda habitam nos seus barcos acostados uns aos outros no refúgio tranquilo dos canais.
Nas colinas de densa e viçosa vegetação a sul de Hué estão dispersos os mausoléus dos vários imperadores da dinastia Nguyen (1802-1945). É curioso notar que cada imperador planeou o seu com antecedência!
São complexos arquitetónicos, artísticos e paisagísticos muito interessantes pois procuram conjugar a harmonia da Natureza com o desenho e a disposição das edificações de acordo com critérios geomânticos ancestrais. Situam-se em parques verdejantes atravessados por canais e possuem lagos com lótus. Todos têm terreiros de cerimónias onde desfilam elefantes, cavalos, soldados e mandarins civis e militares esculpidos em pedra. Junto ao túmulo eleva-se um pavilhão contendo uma grande estela em mármore, apoiada sobre uma tartaruga, onde está gravada a biografia do imperador. Em redor dispõem-se templos, pequenos palácios, pavilhões de recreio e habitações de concubinas, criados e soldados.
O imperador Tu Duc construiu um complexo tão agradável que, quando foi terminado, resolveu aí habitar acompanhado das suas cento e quatro esposas e muitas concubinas, conduzindo daqui os negócios do País.
Gostei de visitar todos estes locais de bicicleta, aliás o modo de transporte do povo. É uma forma interessante de contactar com os nativos pois permite parar a todo o momento e fazer todos os desvios de percurso que entendemos.
Há outros mausoléus mais simples, carecendo de conservação e por isso raramente visitados, que não têm guardas. Estão muito decadentes e normalmente desertos.
Visitei o mausoléu de Tieu Thri e agradou-me ser o único visitante. Não encontrei vivalma no recinto exceto alguns nativos que passaram de bicicleta ou crianças que jogaram à bola no terreiro e se banharam no lago. O ambiente aqui é de grande tranquilidade e convida à meditação. Ficamos absorvidos pelo encanto de um imaginário de fausto e de requinte que ali ocorreram há muito tempo e cujos vestígios estão refletidos na arquitetura e na arte.
Não se vêem muitos viajantes ocidentais no Vietnam e isso confere um sentimento de exclusividade muito especial à viagem. Os nativos olham-nos com surpresa e o seu interesse por nós ainda é só didático.
Se Hué é um esplêndido exemplo da arte e da cultura aristocrática vietnamita, o arquipélago de Halong é uma surpreendente obra da Natureza. São três mil ilhéus desertos, rochosos, cobertos de vegetação verdejante que formam um autêntico labirinto no meio das águas verde esmeralda do golfo de Tonkin. Atravessei de barco uma parte do arquipélago e fiquei assombrado com a extrema beleza da paisagem.
Há elegantes promontórios que se elevam dezenas de metros acima da superfície das águas, alguns com uma base muito estreita devido à constante erosão provocada pelo mar. O tempo e os elementos criaram múltiplas formas interessantes nos rochedos. Há inúmeras cavernas escavadas pelo mar que possuem várias entradas e onde vemos, na penumbra do seu interior, esplêndidas águas verde claras.
À medida que vamos navegando nestes canais vamos descobrindo uma enorme multiplicidade de pequenas enseadas com minúsculas praias desertas rodeadas de falésias a pique ou de vegetação verdejante que desliza suavemente sobre o areal. O sentimento de navegar entre estes rochedos é extasiante pois em cada minuto descobrimos novas paisagens de sonho. Fazem-nos lembrar velhas histórias de piratas, de esconderijos, de cavernas e de locais escondidos pela vegetação onde se guardam tesouros perdidos.
O arquipélago de Halong possui um ambiente verdadeiramente sublime para quem gosta de mar e de atividades aquáticas.
Cruzamos vários pequenos botes de pesca artesanal, normalmente tripulados por um casal onde se encontram também um ou dois filhos pequenos. Há também extensos viveiros de marisco junto aos quais os pescadores habitam em casas sobre palafitas.
A ilha principal, Cat Ba, é a maior e a única que possui uma povoação que é habitada, maioritariamente por pescadores. A sua baía é refúgio para centenas de barcos de pesca que a tornam bastante animada e pitoresca durante o dia, e muito cintilante à noite.
A maioria da superfície da ilha está protegida pelo Parque Nacional de Cat Ba. Aqui habita uma espécie muito rara de macaco asiático no meio da diversidade de cerca de setecentas espécies vegetais, das quais mais de cem têm aplicação medicinal. Fiz um passeio a pé até ao cimo do monte mais alto donde pude apreciar um bonito panorama em redor por entre a leve névoa matinal. Admirei uma sucessão de ilhéus rochosos por entre os outros montes e constatei que praticamente toda a ilha está coberta por uma densa floresta semi-tropical.
Depois visitei as montanhas do noroeste do País, junto à fronteira com o Laos, para percorrer um itinerário a pé através das aldeias. A região é agradavelmente verdejante com florestas onde sobressaem enormes bambus e árvores muito viçosas de longas raízes superficiais.
Os aldeãos cultivam arroz, mandioca e chá em socalcos nos flancos das montanhas, utilizando engenhosos métodos de irrigação onde destaco as noras feitas de bambu. Também criam cavalos, búfalos, vacas e enormes porcos.
As suas casas são construídas de madeira sobre estacas e têm só um piso, sendo cobertas de colmo. É nelas que dormimos durante o percurso pedestre e onde teremos a interessante experiência de provar a gastronomia tradicional campesina.

Uma noite jantava com uma família local, na casa onde alojaria, e a meio da refeição apercebi-me que estavam vários aldeãos encostados á parede da sala. Tinham entrado sorrateiramente e me observavam em silêncio como se fosse um ET. Contaram-me que a maioria dos aldeãos nesta região nunca tinham visto um estrangeiro, sobretudo europeu.
Regressei com muito boas memórias do País, especialmente da simpatia e da hospitalidade deste povo cordial e sorridente, cada vez mais desejoso de comunicar com o exterior.

Gonçalo Velez
Nov 98